Sofrer de véspera

Todas aquelas boas idéias que lhe ocorreram noite passada, quando à ocasião tentava conciliar o sono, desapareceram. Na manhã seguinte, ao acordar, se lembrou, talvez por acaso, de uma crítica dúbia que recebeu no tocante ao que escrevia, um parecer que, em linhas gerais, se ressentia de não poder ouvir a "verdadeira" voz do autor em seus textos, algo como "isso ainda não é você." "Mas quem era então?" flagrou-se perguntando a si mesmo, ainda na cama, num esgar de escárnio e rancor.

A lembrança dessa crítica, ainda que tanto tempo depois, não lhe pôde deixar em paz. Novamente o irritava a ambigüidade do argumento que, de resto, poderia ser aplicado a qualquer obra (à medida que se buscasse alarmar o alvo da menção maliciosa.) Mas por hora desejava apenas se livrar desses pensamentos incômodos para se concentrar em sua busca pelas idéias dissipadas durante o sono. Veio-lhe à mente então uma epígrafe que havia lido há não muito tempo: "Mas como encontrar a Beleza se ela está encerrada na mente, além de toda objeção?"
Infelizmente não poderia ir mais longe em suas objeções, pois uma voz envolta na reverberação áspera do corredor gritava-lhe que o almoço seria servido a seguir. (Continua...)

"A vida é uma sucessão de coisas vagas" (Jane Austen)

(11:30 pm) A água caindo da calha é tudo o que se ouve agora. No quarto escuro o brilho da tevê imprime à parede uma sucessão de cores intermi-nável, cuja profusão e caos, após longa exposição, acabam desprendendo sombras dos cantos mais insuspeitos do cômodo.

(12:06 am) Ouvir a cadência das gotas contra a janela, num crescendo contínuo até que se perceba um som semelhante ao de cachoeiras, é um passatempo que requer dedicação. Sua imprevisibilidade rítmica, no entanto, e a casualidade com que se espatifam contra o vidro, acalmam os ânimos em doses homeopáticas frustrando sistematicamente quaisquer expectativas.

(01:33 am) Cortinas ao vento são mesmo um clichê. Mas para que a sensação de movimento seja apreensível, se faz necessário embrenhar-se nesta imagem; buscar explicar, desta feita, a irregularidade das dobras de seu tecido; aquela pregnância comum às velas insufladas dos navios; ou ainda, chegar pelo menos à conclusão de que não há nada transcendental em se ficar divagando na janela durante um temporal...

O que vai pelos blogs

Se o blog, como insistem alguns, tornou-se a maior ferramenta política des-te século, pode-se dizer que sua proliferação de forma desordenada pela rede mundial tem gerado, em contrapartida, um empecilho à catalogação de um volume tão grande de informações. Uma vez que criar uma página dessas é tão fácil quanto criar uma conta de email, milhares de endereços novos entram e saem do ar por dia. É óbvio que a maior parte desse montante seja de leitura desprezível, com tanta gente assim escrevendo, mas esse fenômeno não pode deixar de ser lido à luz de um registro idiossincrático daquele que se propõe cultivar um "diário". Vale ressaltar que a magnitude alcançada por essa ferramenta extrapolou a função do já desgastado "meu querido diário," o qual se pautava apenas pelo registro da rotina de seu autor. Blogueiros, hoje, sob a forma cronológica das publicações mais recentes ocupando o topo da página, são responsáveis pelos mais variados registros da realidade, seja pública ou individual; relevante ou irrelevante; falsa ou verdadeira. Não importa.

Mas seja como for, os conteúdos desses blogs, até então ilhados no anonimato de endereços virtuais que nascem e morrem na surdina, vêm sendo melhor organizados através da Pesquisa de Blogs do Google. Trata-se de uma ferramenta interessante, embora seus usos ainda estejam por ser descobertos e explorados. Através da ferramenta podem-se pesquisar palavras e expressões que tenham sido publicadas nos blogs cadastrados nesse imenso banco de dados, seja por ordem cronológica ou de relevância. Enfim, pode-se saber o que foi escrito por último em blogs do mundo todo, ou ainda qual blog tratou de determinado assunto de maneira mais explícita e aprofundada. Além disso, o sistema de busca abrange praticamente todos os servidores existentes e suporta diversos idiomas. Para os blogueiros de plantão (ou não), vale a pena dar uma olhada.

Ouvindo Cassiano

Nascido em setembro de 1943 na Paraíba, Cassiano pode ser considerado um dos pre-cursores do movimento soul no Brasil, servindo de inspiração a muitos artistas da cena black, que vão desde o saudoso Tim Maia, passando por Hyldon, até chegar nos consagrados Racionais Mc's. Em Canção dos Hippies, descobrimos por que Cassiano é uma das raízes mais robustas da música negra brasileira, ao lado de outros grandes nomes como Jorge Ben, Gerson King Combo, Hyldon, Wilson Simonal, entre outros (poucos.)

Dias melhores, se...

Na música Better Days Ahead, Gil Scott-Heron sente-se à vontade, enquan-to verdadeiro mestre-de-cerimônias do soul (eu diria quase um bluesman "laureado"), para imprimir toda a sua malícia e canastrice aos versos melancólicos dessa canção (do disco Secrets, 1978.) Uma genuína pérola, algo que já não se produz mais hoje em dia...

And now it's time
to gather all the things we need to fly
There's better days ahead...

Just wave good-bye
we've better things to do now you and I.
There's better days ahead...

Just take my hand
'Cause you're the one I need to understand
for better days ahead.

With you I can stand
and as long as you repect me as your man
there's better days ahead.

De onde vêm os diamantes

Mais um diamante da soul music, California Soul, de Marlena Shaw.

Profissão: Contador de Histórias

A seção profissão contempla desta feita a cu-riosa profissão dos contadores de histórias. Embora não chegue a ser exatamente um ofício (naquilo que tem de pior remunerado) esses contadores especializados em entre-tenimento narrativo ainda hoje encontram aqui e acolá seu nicho no mercado (seja lá o que "mercado" signifique aí...) Afinal de contas, a chamada "grande arte" não está necessariamente ligada a histórias igual-mente grandes, tumultuadas e repletas de reviravoltas, bem como recheadas de personagens enigmáticos e interessantes...

Não há como negar que as grandes histórias cansam seu público justamente pela extensão e intensidade de sua suposta magnitude. No caso do Cinema, que se trata de um exemplo mais à mão, pouco a pouco as pessoas que acreditam nessa arte como algo além da diversão banal vão migrando para uma visão da sétima arte mais intelectiva e epistemológica (sim, aquilo que o senso comum, a má-vontade e o preconceito convencionaram chamar de "filmes-cabeça.") Em termos de Hollywood, quem nunca passou em frente a uma sala e, pelo volume do som e ruídos de tiros e espadas, ousou imaginar em que ponto o filme estava? ou ainda, na locadora, preterir alguns títulos por causa de uma capa? Eu diria a meu favor que se trata de um preconceito levemente diferente daquele que mencionei acima sobre os "filmes-cabeça"; trata-se na verdade de um pós-conceito, de um conhecimento de causa (estão completamente fora filmes com expressões do calibre de "pra lá de...", "muito louco", "do barulho" ou "da pesada").

Na literatura isso também persiste, não obstante se tenha originado na mesma antes de migrar para outras formas de arte: romances, novelas e contos, cada qual uma máquina de entretenimento à sua época, hoje gozam de descrédito junto às grandes massas diante do advento da informação imediata (embora a televisão não seja também nenhum diabo). Ler, hoje, talvez seja uma profissão de fé para muitos. No entanto, as campanhas de incentivo à leitura promovidas pelo Estado, no geral, estão mais preocupadas em fazer as pessoas lerem (seja lá o que for) do que ensinar o que se deve ler, tornando entretenimento e arte duas coisas indistintas (elas podem ou não andar juntas, mas não são a mesma coisa.) Infeliz raciocínio de país degradado: especializar-se em leituras ou ter um gosto literário é um luxo (como se decodificar o alfabeto fosse o bastante)

E nesse contexto se enquadram os contadores de histórias, esses seres curiosos e egocêntricos que gostam de silêncio enquanto falam. Diante disso, toda crítica que se julgue afiada e alerta deveria saber o que vai sob as grandes histórias, de modo que não saiam impunes quaisquer piruetas retóricas ou discursos pirotécnicos.

Talvez a única boa história viável seja, de certa forma, a grande história de uma história. Relativizar grandes acontecimentos talvez seja preciso (e se engana quem pensa que o refúgio da emoção esteja na grandiosidade dos temas.) Como abordar ou refrescar temas tão exauridos quanto a morte, o amor ou o sexo (ou ainda outros dilemas metafísicos)? E diante disso, como evitar ser leviano, no caso de uma recusa aos grandes temas, e como evitar ser demasiado profundo? É como estar entre a cruz e a espada: de um lado, a destreza proporcionada pela futilidade e pelo que há de mais mundano; de outro, a gravidade, o discurso embargado clássico, a envergadura pesada e nada prática do comprometimento com a essência, com o profundo e o relevante.

Legenda: na foto acima, os temas clássicos tão caros ao ofício do escritor (a máquina de escrever, o pincenês pousado sobre o alfarrábio aberto, o telefone preto...)

"For The Love Of Money", The O'Jays

Quem assiste ao reality-show "O Aprendiz", exibido pela Record (uma ver-são do homônimo americano comandado por Donald Trump), poderá até se lembrar da música-tema do programa, mas não do grupo The O'Jays, um verdadeiro clássico da blaxixploitation. Clique aqui para ouvir "For The Love Of Money" (ou você está demitido!)

Aleluia, Mingus!

Do álbum "Blues & Roots," do mestre contrapontista do jazz Charles Mingus, "Wednesday Night Prayer Meeting" é a prova mais cabal da estrita relação entre jazz e protestantismo. Para ouvir, gritar e bater palmas, clique aqui.

"Save Me", Nina Simone

Clique aqui para ouvir o lado mais funk da diva Nina Simone. (Mesmo esquema: esperar alguns segundos até o link aparecer)

"We Almost Lost Detroit", Gil Scott-Heron

Para ouvir a canção em formato MP3, clique aqui (assim que abrir a página, esperar 45 segundos até o link do arquivo aparecer...)

O canto-falado de Gil Scott-Heron

Do álbum "It's Your World" (1976), atenção para a canção New York City. Embora não seja aquela mesma que Frank Sinatra ajudou a tornar cansativamente popular (New York, New York), a composição de Gil Scott-Heron se assemelha à outra apenas no que tem de amor desbragado pela cidade.

Contudo, mais pungente, mais nostálgica e com um glamour mais dolorido (fazendo jus ao que a metrópole virou) é a Nova Iorque vista por Heron, que não me deixa mentir: "There ain't nothing wrong with the citie/just some people being wrong like in everywhere." É isso mesmo: não há nada de errado com a cidade, as pessoas de lá é que estão erradas (e tão erradas como as pessoas de qualquer outro lugar.) Eis o glamour de resignação que mencionei acima (um "não-glamour") nos dizendo que a tristeza de algumas pessoas não é melhor que a tristeza de outras só porque elas vivem ou deixam de viver em Nova Iorque... É esse iconoclasmo, esse anti-lirismo de Heron que dá um toque tão especial às suas letras; esse algo irônico (pra não falar na articulação impecável que ele imprime à sua fala), sendo capaz de entreter uma platéia minutos a fio, o que faz dele claramente um dos precursores mais bem-acabados do rap.

O primeiro disco de Heron, "Small Talk at 125th and Lennox", também está aí e não deixa dúvidas sobre a paternidade do estilo. Trata-se de um estilo literal de rhythm & poetry, no qual Heron fala sobre uma base percusiva sem, no entanto, harmo-nizar o suficiente a sua fala a ponto de ela tornar-se uma canção. Está bem claro ali que ele não está cantando, mas falando. Daí adviriam as várias matizes do rap, do mais cantado até o mais falado. Mas enfim, não dá pra negar que a gênese de quase tudo no gênero está contida em Heron, e que por isso mesmo sua música deveria ser levada mais em conta por quem se diz ou se diga apreciador de "música negra"...

Infelizmente pouco se tem falado sobre esse notável cantor, compositor, pianista, poeta e novelista. Sabe-se que ele saiu da prisão não faz muito, detido por porte de cocaína, e que é visto às vezes pela noite nova-iorquina...

Clique aqui e leia uma matéria "relativamente recente" sobre Gil Scott-Heron (para os que não lêem inglês, eu fiz o que pude...)

Ninguém que a conhecesse...

Ninguém que a conhecesse desde a infância diri-a que fosse ficar tão bonita. Jamais lhe deram preferência os rapazes. Tampouco seu nome algum dia havia sido cogitado para as festas do colégio (como nos filmes americanos de universitários), a não ser porque ela sempre dava de presente algum brinquedo.

Nesse ponto, porém, é meu dever abrir um parágrafo e me concentrar em suas virtudes, as quais, devo lembrar, pareciam advir apenas de um dos vértices da "santa trindade": de bela, inteligente e graciosa, só lhe cabia esta última, e mais nada (algo em si insignificante para que se sentisse triste ou diminuída.)

Ela mais tarde chegaria à conclusão de que os homens, em sua maioria os mais novos, pouca ou nenhuma visão possuíam sobre o que há de promissor na beleza de uma jovem. E por essa razão (a de não enxergarem muito longe) acabavam descartando algumas com dons promissores (já que à tenra idade muitas delas são estúpidas ou tímidas), optando pela busca de um romance com mulheres mais maduras.

Quanto à metáfora da jovem que um belo dia desabrocha feito flor, por favor, é excessivamente romântica. Nem mesmo a história da menina estabanada que outrora preterida é agora cortejada, sinto muito, não cola. Ela não tem tempo para fábulas. Ela não trabalha numa fábrica. Nunca foi pobre, nem rica, nem milionária... Tampouco é uma rústica florista com a alma de uma dama. E do antigo estigma lhe resta apenas a agradável sensação de ser quem é, em vista do que foi, orgulhosa de ter feito sacrifícios e de ser recompensada pelo esforço.

"Marriage is for old folks" (Nina Simone)

Amigos, eis outra canção magistral falando sobre o ma-trimônio e "todo o ilícito engenho de se evitá-lo". Nina Simone destila nessa letra genial, carregada por arranjos do mais puro blues, afirmações ácidas e corrosivas sobre as dificuldades de ser quem se é dentro de um casamento. E sob o pretexto de se dar um nome a essa canção em homenagem ao estilo Jane Austen de escrever, "Injudiciousness & Understatement" cairia bem.

Para ouvir a música, basta clicar
aqui. Uma vez que estiver na página MegaUpload, basta esperar uns 45 segundos que o link do arquivo aparecerá (e aí só clicar). Tamanho total do arquivo: 3,5 Mb (vale cada byte baixado...)


I love dancing
Crazy romancing
Fellas advancing constantly

Marriage is for old folks
Old folks, not for me!

One husband
One wife
Whaddya got?
Two people sentenced for life!

I love singing
Good healthy clinging
Quietly bringing on a spree

Marriage is for old folks
Cold folks!
One married he
One married she
Whaddya got?
Two people watchin tv!

I'm not ready
To quit bein' free
And I'm not willing
To stop being me
I've gotta sing my song
Why should I belong
To some guy who says
That Im wrong?

Cookin' dinner
Lookin no thinner
Gray elbows and
A sudsy sea

I'm exploding
With youth and with zest
Who needs corroding
In some vultures nest?
I've gotta fly my wings
Go places, do things
My freedom bells really
Gonna ring!

I've been through years
Too many blue years
Now I want new years every eve

Marriage is for old folks
Marriage is for cold folks
Not for me

Can't you see
Marriage ain't for me ...

Chinestesia

Herói (2002), do diretor chinês Yimou Zhang (o mesmo de Lanternas Vermelhas e O Clã das Adagas Voadoras), tem sido celebrado pela imprensa especializada como "talvez o mais belo filme de todos os tempos" ou ainda "a obra-prima do cinema chinês", mas infelizmente esses epítetos vagos têm pouco a dizer sobre um filme que é, no mínimo, singular em sua combinação certeira de entretenimento épico com inventidade estética. Com os mesmos requintes técnicos de filmes como Gladiador ou Tróia (eu diria até melhores), Herói deixa de lado o esquemão da narrativa épica hollywoodiana e adota um estilo que nada fica a dever a filmes como Rashomon, de Akira Kurosawa, ou Era uma Vez no Oeste, de Sérgio Leone, sobretudo no que esses filmes têm de alinear e fragmentário na maneira de contar uma história.

O roteiro em si não diz muita coisa: na China anterior à construção de suas famosas muralhas,
um imperador oferece uma portentosa recompensa àquele que exterminar três temíveis guerreiros que desejam assassiná-lo. Surge então, às portas do palácio desse imperador, um guerreiro conhecido como Sem Nome (Jet Li) para relatar seus feitos e reclamar sua recompensa. E é justamente desse relato ao imperador, com suas idas e vindas no tempo, que resultam toda a magia e complexidade de Herói. Num procedimento de flashbacks semelhante ao utilizado em Rashomon, o filme vai pouco a pouco escamoteando a verdade sobre os fatos ocorridos de modo que o espectador também aos poucos vá juntando as peças desse mosaico complexo e sutil. Não à toa, o imperador deixa escapar sua admiração pelo guerreiro após a primeira parte de seu relato: "O quão sutil é tua espada!"

A dimensão mitológica que assumem os personagens desse filme é também algo de
extraordinário e que merece ser comentado. Diferente da caracterização rasteira de Aquiles feita por Brad Pit em Tróia, em Herói a força mítica de seus personagens é resgatada de maneira exemplar através dos relatos fragmentados fornecidos pelo guerreiro Sem Nome. Recorrendo à técnica empregada pelo poeta grego Homero na Ilíada e na Odisséia -- duas verdadeiras "bíblias" do gênero épico -- os personagens se deixam conhecer num primeiro momento apenas pelos relatos de terceiros acerca de seus prodígios, realçando assim a aura dos mesmos.

Deixando de lado o aspecto homérico da narrativa, talvez o maior responsável pela imensa popularidade do filme (diga-se de passagem o primeiro filme chinês a liderar as bilheterias dos EUA) seja mesmo a plasticidade com que as cenas, sobretudo as de combate, são filmadas. Partindo da premissa de radicalizar a coreografia das seqüências de luta (indo além de seu precursor, O Tigre e o Dragão) Herói prima por momentos de pura epifania, valendo-se para tal do emprego ostensivo de câmeras lentas, closes e cenas filmadas em branco e preto, bem como de uma utilização racional do som, quando, por exemplo, o ruflar dos tambores é interrompido durante o combate para dar lugar ao rumor da chuva caindo sobre o telhado, ou ainda para realçar a metáfora tecida entre a técnica da espada e a arte musical. Ou seja, tudo aquilo que um diretor como Quentin Tarantino sempre quis ser. Aliás, o diretor da saga Kill Bill, ao ver o filme, resolveu lançá-lo nos EUA mencionando seu nome nos créditos, "Quentin Tarantino apresenta...", como se tivesse de fato o produzido, embora ele mesmo em nada tenha contribuído para sua realização.

Os idiotas da objetividade (jornalística)

Em sua acepção mais geral e deslocada do contexto jornalístico, pauta vem a ser um objeto (um tema) ao qual se mantém mais ou menos fiel um sujeito. Mas que tipo de fidelidade é essa, tão preconizada pelas instituições em nossa época, a um objeto que esse sujeito sequer conhece (por mais que sua "credibilidade" e suas pesquisas sobre o assunto o "habilitem" para tal)?

Fica a pergunta: quem neste mundo, vivo ou morto, estará habilitado (institu- cionalmente ou não) para desvendar o verdadeiro segredo da Coisa (heiddegerianamente falando)? E o que impede esse sujeito de se esquivar de algo que, embora não exista além da linguagem, tange sua fala de maneira coercitiva de modo a lembrá-lo que isso não pertence aos seus domínios? Quem estará apto a reconhecer um discurso puro que exclua, de antemão, objetos periféricos ao centro de uma questão tão descentralizada? Não seria essa a razão pela qual o gênero jornalístico se encontra hoje tão desacreditado? Um descrença, eu acrescentaria, que se deve em grande parte à tola premissa de uma imparcialidade e objetividade que, guiadas por uma ansiedade ou pressa de se chegar ao ponto, impedem o sujeito de se deter pelo caminho e desfrutar da paisagem "chapada" da linguagem...

NOTAS DE RODAPÉ: "Credibilidade", segundo a "teoria" jornalística, é o pacto que se estabelece entre o público e um artefato jornalístico (um âncora ou um texto) na condição de que o primeiro se sinta tranqüilizado diante dos signos que assinalam a presença da verdade no segundo. "Habilitação", por sua vez, funciona como uma espécie de alvará ou autorização para o praticante do discurso jornalístico, que em posse dela se sente irremediavelmente confortável para, dentro dos trâmites da linguagem, fugir do assunto sem no entanto sofrer a sanção da imprecisão (lembrando que toda autorização implica a idéia de autoria, e, logo, de autoridade).

Retrato de um reacionário quando jovem

Quando não há nada em absoluto a ser dito sobre um assunto, convenhamos, é melhor se calar. Pelo menos tem sido essa a postura adotada pelos sábios de plantão. O chato é que esse plantão, esse eterno estado de alerta e prontidão, cedo ou tarde, termina arruinando qualquer pensamento mais ponderado, ao que a sapiência (tanto a adquirida como aquela conferida pelo dom), por sua vez, acaba degenerando-se numa postura inflexível e injusta (mais conhecida como reação).

Eis a lógica: "de que adianta eu me manifestar? De que serve ter uma opinião? Só irei me desgastar e não vou convencer ninguém do que estou falando." Mas agindo assim a perda é dupla: além da persistência do conflito, seu tema se torna um tabu. Moral da história? No caso de qualquer objeção, é favor se expressar.

Brown à la Corleone

(publicado em 11/12/2004)

Falando sério. O rosto e o gesto do rapper lembram mesmo os do jovem Vitto Corleone (encarnado no cinema por De Niro). Não que eu esteja insinuando que o rapper seja um contraventor, longe disso, pois sua subversão reside somente no ritmo (e no ritmo da letra), por mais que todo gangsta rappa queira parecer o pior possível ("pior" não só no sentido de "mais mau"). Assistindo ao épico Godfather 2, não pude deixar de buscar semelhanças entre os dois. Há, por trás da ética de ambos, algo de muito fundamental, religioso ou qualquer palavra terminada em "crático." Haverá no Olimpo algum deus ou semi-deus para essa persona mítica que subjaz a ambos? A fala macia, a honra da família, a contenção da raiva, a sabedoria, serão estas as características inerentes ao malandro empreendedor que ajudou a construir a América?
Talvez na tragédia grega "Hipólito", de Eurípedes, essa distinção apresente-se bem marcada na oposição hybris/sophrosyne, algo que em termos BEM gerais corresponde à oposição excesso/moderação, imprudência/prudência, fúria/brandura, soberba/humildade etc. Se no primogênito da família Corleone temos a hybris, em Michael, sucessor eleito dos negócios da famiglia, temos a sophrosyne que, levada às últimas conseqüências, converte-se em hybris pura (lembrem-se de que Michael, numa fantasia de perseguição que o leva a uma loucura parecida à de Ricardo III (Shkspr), manda matar o próprio irmão, Fredo, o mais fraco e covarde deles).
Voltando ao universo do rap, do gueto, da marginália, da periferia, há algo nisso tudo de talento e seleção natural como querem atestar alguns deles. E Mano Brown, guerreiro incansável, do fundo de sua trincheira, do seu "ser ou não-ser", é uma espécie de sobrevivente, o contador de estórias de sua própria tribo à qual ele quer salvar, messiânico, do fantasma da corrupção do mito. Isso tudo sou eu quem intui, por favor, Mano Brown não fala de política, ele simplesmente é político. E sua política é a das ruas, da conversa de botequim, do ancião observando as crianças da tribo que brincam, sempre distante e arredio...

"RUPTURA Y COMIENZO"

(publicado em 12/03/2004)
"Crítica do artista e seus meios de expressão: o que conta não é o que se propõe a dizer o poeta ou o pintor (o que chamam de idéias) mas sim o que disse efetivamente o quadro ou o poema. Nem arte didática nem este-ticismo. Não a beleza (o que é beleza?), nem o mito nem a história: somente o artista diante da tela. Seu tribunal não é o Estado, a igreja, o partido, o museu ou o dono da galeria (encarnação da grande e nova potência maligna: o mercado). Seu tribunal são suas obras. Diante delas o verdadeiro artista sente uma responsabilidade absoluta e permanente. De que consiste essa responsabilidade? Pintar bem, escrever bem, ser hábil, elegante, gracioso, profundo, surpreendente, divertido, dramático, elíptico, direto, misterioso -- em suma: ter talento -- não é difícil. Tampouco basta a perfeição. A arte pede mais -- e menos. Moral do artista: exigir-se cada vez mais -- trabalhar-se, combater-se -- não se dar trégua nunca -- desdobrar-se e multiplicar-se e voltar à unidade. Artista: histrião, santo e libertino. Vigília e abandono. Cada quadro, cada poema: uma experiência total e única, um testamento. E a cada dia começar de novo, diária sentença e diário abraço com o desconhecido. A arte é uma paixão rigorosa."

[Octavio Paz]

O que chamam de História...

(publicado em 14/03/2004)
Aprendi que a História não é algo assim tão digno de glória. Ao menos não a que desejam alguns doutores. Quando quiseram convencionar a diferença entre grafá-la com H ou com E foi que a maionese começou a embatumar. Tal qual aconteceu à linguagem jurídica [falo isso por ser brasileiro], historiadores arrebataram para si a responsabilidade de contar a verdade do que teria acontecido e que mais tarde a memória escondeu. Nesse sentido, a maior estória da carochinha na História foi o Marxismo. Ele é o inventário dos deslizes da humanidade, a narrativa de suas omissões, seus hiatos -- e assim deve ser lido. Como dizia Oscar Wilde, história é fofoca. E não pode querer ser mais do que isso sem correr o risco de tornar-se esclerosada.

Dan "Automator" Nakamura: o craftsman made in japan do hip hop

Ele é uma espécie de eminência par-da da cena hip hop norte-americana: trabalhou com de La Soul, Dj Shadow, Tribe Called Quest, Pharcyde, Prince Paul, etc etc. A lista é imensa. E o engraçado é que numa área predo-minantemente negra, ele é um japa dos mais bem sucedidos. Ele é uma espécie de manager que terceiriza seus djs, vocais femininos, empresta uma batida daqui, outra dali... É um craftsman, mas não segundo a metáfora do artesão que suja suas mãos na argila... Talvez o único lugar em que esse sujeito bote mesmo as mãos seja nos sebos de discos, de onde ele só sai para um estúdio, ou na mesa de som -- seu verdadeiro instrumento.

Famoso por seus heterônimos, Automator já gravou discos que assinou como "Dr. Octogon" (e seu rap bizarro sci-fi) e "Nathaniel Merri-weather" (uma releitura do romantismo erótico de Serge Gainsbourg e Barry White com levadas de hip hop). Fingidor esse cara, não?

Expressionismo alemão

Ringue metafísico

De um lado ele, sujeito de caráter belicista e dado à réplica, com seu brilho irrefletido, pupilas que se fecham e dilatam segundo a atenção centrípeta/centrífuga que o outro lhe desperta. E o outro, aquele, no seu canto sempre esquerdo, sujeito de caráter pacifista, ruralista, que não tem noção do espaço que seu pensamento-propriedade ocupa, e que também quer a liberdade sem saber quanto custa a do outro. Seu sobrenome é "detrimento".

KILL BILL REVIEWED

05/05/2004 - O novo filme de Quentin Tarantino (isto é, novo aqui no Brasil), Kill Bill v.1, é, além de outras coisas, certamente uma homenagem ao estilo de filmar de diretores como Sergio Leone e Akira Kurosawa (óbvias referências). E por mais que eu possa soar redundante, deixo agora que as falas "falem" por si mesmas:

The Bride: "Those of you lucky enough to have your lives take them with you. However, leave the limbs you've lost. They belong to me now." (isso não soa meio antropofagista? Tarantino, em sua caça a referências culturais, pode ser considerado um headhunter)

Ou ainda: "It was not my intention to do this in front of you. For that I'm sorry. But you can take my word for it, your mother had it comin'. When you grow up, if you still feel raw about it, I'll be waiting." Talvez a modéstia de Tarantino e a pujança de suas imagens encontrem eco na seguinte frase do personagem Hattori Hanzo: "I can tell you with no ego that this is my finest blade. If, on your journey, you should encounter God... God will be cut."

Para um filme pop, com uma trilha sonora arrebatadora, figurino vintage de vanguarda e outras coisinhas mais, Kill Bill não deve nada para a nouvelle vague e seu vai e vem no tempo, suas digressões (quando "a noiva" fala com seus dedões dentro do carro) ou por conta da traumática cena que aos poucos vai sendo revivida na cabeça da protagonista sob diversos ângulos (vide Rashomon,
Kurosawa).

E o que dizer das músicas? Uma mistura de funk & kung fu?

O glamour da arte (mas não do artista)

Vejamos o escritor, esse ser "misterioso", fascinante e narcisista, arquiteto de universos e romances: uma espécie de deus. Pode ser inclusive aquele homem soturno, habitué de cafés, com seu cachecol kitsch em nosso verão tropical. Mistura de existencialismo e carnaval, também conhecido como filósofo-folião.

E quanto aos artistas plásticos, vulgarmente conhecidos como pintores (para seu desespero)? Detestam falar sobre suas influências, uma vez que se julgam incomparáveis. Preferem, aliás, citar sempre obras desconhecidas, que ninguém viu, de modo que a comparação seja evitada e possam além disso gozar da fama de terem resgatado ou relançado alguma coisa injustiçada pelo establishment.

Diferentemente dos artistas plásticos, os músicos, por sua vez, simplesmente amam citar suas referências. Gostam, inclusive, de citar que são músicos. Vejo que ultimamente alguns músicos se preocupam tanto em rastrear suas influências, o que gostam de ouvir por exemplo, que acabam se descuidando com o que se faz ouvir. Sabe como é, do prato à boca perde-se a sopa...

Ah, não nos esqueçamos dos homens e mulheres de teatro. O fato é que a tela onde pintam ou o papel em que escrevem pertence aos domínios não só da personalidade como também aos domínios do corpo. São, ao mesmo tempo, criadores e criaturas, e o mesmo esmero que o pintor emprega na tela, eles, os atores, aplicam a si mesmos, de modo que o zelo pela obra ou personalidade pode às vezes incorrer numa descarada egolatria...

Segunda amena

Sim: eu sou um sonhador. Porque um sonhador é aquele
que só consegue se encontrar sob o luar, e seu
castigo é que ele vê o amanhecer antes dos outros.
(The Critic as Artist, Oscar Wilde)

O frio baixou aqui em São Paulo e agora as estrelas cintilam nalgum lugar além das nuvens escuras e espessas. 11 graus no relógio da Avenida Pacaembu. Ainda não soltaram outras fotos de prisioneiros de guerra, não houve greve no metrô, nenhum incidente na 25 de Março, o clima tá manero e tudo hoje à noite segue seu curso com suave diligência -- como se a paz fosse um hábito -- e eu, da janela do apartamento (um close em meus olhos denuncia alguma inquietação), eu, pensando nalguns temas amenos como Deus ou morango de sobremesa, tenho a impressão esquisita de que o mundo não gira como querem os cientistas ou os ateus.

Austeridade é...

Austeridade é, bem cedo, sob aquela garoa fria, comer um naco de pão com manteiga quente, de pé, no balcão de uma padaria qualquer; é pegar o metrô, semi-acordado, com a sensação de que despertar mais cedo e passar frio nos possam tornar mais dignos; é abandonar a cama aquecida de manhã, molhar as faces com água gelada e não deixar que ela acorde; é cobri-la com o cobertor e depois um beijo; é a fumaça do cigarro do porteiro. Austeridade é isso e também o cheiro de café nos corredores de uma empresa; é não ter sossego (exceto sob condições adversas). Ou ainda: ser austero é a sina do homem sério.

"O Mal da Partida"

Eu serei sempre o amante hipotético e afoito
dos mares azulados e das longas travessias,
e morrerei numa noite igual a todas as noites,
sem ter rompido a vaga linha do horizonte um dia.

(...)

Dentro em pouco deixarei de falar nas longas viagens;
os amigos irão pensar que eu as tirei da mente,
e aliviada minha mãe dirá a quem lhe perguntar:
"Era um capricho de rapaz, que passou felizmente."

Mas certa noite diante de mim vai-se erguer o meu eu
para pedir-me contas, como um juiz tenebroso,
e esta minha mão inábil apontará tremendo
o revólver para abater sem medo o criminoso.

E eu que tanto desejei ser um dia sepultado
em algum mar das Índias, de profundezas enormes,
terei essa morte comum, deveras lamentável,
e um enterro igual ao de todos os outros homens.

(Poesia Moderna da Grécia > Kavvadías > José Paulo Paes)

Verão de 2002

A canção não é exatamente a do Legrand; nem tenho visto nenhuma Jenni-fer O'Neill (com aquele ar dócil-delicado de menina comportada). Foi só há dois anos, e também não era aquela praia desbotada, em tom sépia (eu lhe digo que não era nem litoral norte paulista.) Ah, os dias eram longos e vazios, e chovia -- pelo que digo que era Ubatuba! -- e qualquer sentimento era leve e arredio como a brisa marítima que o solstício nos trazia à tarde, o rumor líquido das árvores, o choro encoberto pelo bramido das ondas.

OBS. talvez o candor do sol nos tenha abatido como ao Messieur Mersault, "O Estrangeiro," de Camus.

Ma Fleurette Paulistaine

Quase nunca ela pára (exceto quando trabalha) e assim vai pra casa, de pé no metrô lotado, lendo os "fragmentos" do Roland Barthes, presente meu (o último) de quando ainda nos gostávamos... Cabelos curtos fazem jus à fama de mulher do teatro e os olhos grandes rasgados fazem dela um mangá. Naquele tempo eu mal sabia, mas naquela guria uma tal de Joana D'Arc revivia, libertária, feminista e devotada à causa pobre: uma espécie de heroína proletária. Dela agora ecoam algumas palavras (um desagravo): "um cara", "sério", "pensando em casar..."

Sketches of São Paulo

E no Anhangabaú, de frente ao teatro, sentado nos degraus, suponha que as estátuas todas acordem e corram. Imagine então, e peço licença ao John Lennon, se não houvesse guerra nem violência, o que seria de um passeio à rua 25 de março? Como seria o amanhecer na rua Aurora? Ou então que maravilha não seria andar na Luz à noite? Que espécie de crença envolve a esperança de que um dia tudo volte a ser como antes? Será que a história desta cidade vai-se limitar à memória de postais desbotados numa banca?

Elogio ao gelo

Aqui em São Paulo as estações não duram mais que uma semana: um dia é quente, o outro morno, até que um dia acordamos com frio. Então os casacos saem do armário e aquela brisa de ontem já não é tão agradável como supunham os adeptos da regata. Esses daí adoram um mormaço, um ambiente viciado; o incômodo suor das axilas, o cheiro de corpo im-pregnado; amam o sebo, o ranço e o claustro. A essa temperatura os pensamentos não se conservam, derretem mais rápido. E para o bom entendedor, pingo é letra; a vingança, um prato.

A arte do desencontro

Este assunto, este assunto eu conheço bem... É uma arte (que uns almejam e outros julgam entender); é a sensação derrisória de quando pensamos que não há nada além de amor no mundo, mas que estou só; ou quando vislumbramos um destino cujo caminho não sabemos, pelo qual nunca passamos, até porque ele nos leva até nós mesmos.

*
Entre os amantes é necessário que os movimentos sejam contínuos e simultâneos. Como é impossível, bem sabido pela Física, dois corpos ocuparem o mesmo lugar ao mesmo tempo, coincidências deveriam ser malvistas.

*
Tomemos um exemplo mais concreto: quando ele fez que ia, ela não quis. Fácil demais ser feliz, disse a si mesma, convém resistir (ela não via que o orgulho estava bem debaixo do nariz.) Mas tudo tem limite, e quantos sábios não se criam de improviso, ao passo que um dia ele cessou suas súplicas: dela não tardaram as réplicas (tudo muito súbito...) e daí para o mal que é relativizar a própria relação foi um passo (tudo muito súbito...) do concreto ao abstrato.

Florbelas

"A sua sede de Infinito levou-a a procurar a plenitude num amor sonhado mais do que sentido, vivendo num paroxismo de se querer dar e de não ser de ninguém." (da contracapa de uma edição portuguesa de Florbela Espanca)

A diferença que a indiferença faz

Poderia a falta de interesse ser traduzida em indiferença? Nem sempre. Há, acima de tudo, a indiferença calculada, o menosprezo premeditado (desinteresse interessado?) Mas o que existirá por trás dessa postura aparentemente contraditória de realmente querer mas se fazer de rogado? Do que estará atrás o sujeito que simula a falta de uma falta? Não correrá ele o risco de afastar o objeto desejado de seu campo de ação irrevogavelmente? Dissimular uma carência ou deixar de reivindicar um conteúdo não seria apenas uma maneira de se viver enchendo lingüiça? E mais: será que se nega uma falta apenas enquanto o outro não se percebe nessa falta?

Manhã no Mercado Municipal

(publicado em 08/12/2004)
Não costumo escrever sobre tudo o que me acontece, e tampouco furo o jornal do meu Futuro ao indagar sobre o amanhã (querendo a resposta sempre pra ontem!) Mas isso não me impede, contudo, de falar sobre a minha ida ao Mercado, que já faz mais de uma semana, em companhia do meu amigo, o cavalheiro Gabriel, e de uma distinta senhorita, a divertidíssima Cris Goto (cuja expressão delicada e suave do rosto me lembrou as máscaras do teatro Butô.)
Seguimos o protocolo e nos detivemos sem pressa em algumas das adegas, casas de queijo e barris com azeitonas temperadas, que de tão verdes pareciam azuis, além das rascantes alcaparras! Mulheres vêm e vão murmurando entre as barracas "bom, bom, bom", uma espécie de sinal-da-cruz, uma santíssima trindade: "o bom vinho, o bom filme e o bom livro". Fiquei a pensar no que queriam dizer com isso...
Mas deixei esse assunto espinhoso de lado, já que a ordem do dia era flanar. O que houve depois é que tiramos muitas fotografias e, como bons paulistanos, também enfrentamos filas; aliás, compramos abacaxis que já vinham descascados; e quando eu já ia me aborrecendo novamente, por sorte a visão divina dos vitrais me comoveu. Fotógrafos, poseurs, artistas, mães, filhas e modelos: se estivesse ali, diria um amigo meu que "a sociedade veio em peso".
Saldo do passeio: uma matéria que a senhorita Goto prometeu e que até agora permanece impublicada; uma fatura pro mês que vem de um vinho barato (lá o barato deles vale muitos reais); ah, e de também ter sido eleito o mais sarcástico, inclusive mais que o Gabriel, pela Miss Goto, o que pode ser tomado como profunda abjeção ou um elogio delicado.

Old Boy

Lendo e relendo o que foi escrito até agora pela imprensa a respeito de Old Boy (2004), do diretor coreano Park Chan-wook, não fui capaz de descobrir sequer uma crítica negativa a respeito desse filme, o que talvez seja, a meu ver, um reflexo da imensa aceitação do cinema oriental junto às platéias do Ocidente. Não estou querendo dizer aqui que todo filme coreano, japonês ou chinês seja bom, mas é inegável que seus cineastas cada vez mais têm produzido excelentes filmes, com roteiros e atuações, pra dizer o mínimo, infinitamente superiores ao que tem sido feito na América.

Mas vamos aos fatos: o longa coreano é cinema em estado puro. Seu roteiro imbricado e, por que não, exagerado, é de certa forma magistral em sua coesão claustrofóbica, embora os cultores do velho estilo linear de se contar uma história possam torcer o nariz. Tudo o que se sabe é que Oh Dae-su, um homem teimoso e temperamental, passa 15 anos confinado numa estranha prisão, cuja cela é na verdade um quarto de hotel sem qualquer contato com o mundo exterior. Durante todo esse tempo, sem saber o motivo pelo qual o prenderam, não são poucas as tentativas de suicídio de Oh Dae-su, bem como suas tentativas de fuga (da realidade). Mas ao cabo desse prazo, Dae-su é inesperadamente libertado, ao que lhe é dado um celular para que finalmente seu misterioso algoz entre em contato. Mal sabe Dae-su que sua vida do lado de fora não será muito diferente da vida no cárcere.

Uma vez solto, Dae-su ainda está atordoado. O fato de ter sido privado da liberdade, durante tanto tempo e de forma tão abjeta, fez com que o outrora pai de família se tornasse um verdadeiro animal. E partir desse momento, Dae-su não saberá mais se sua busca é por vingança, por sua filha ou pela verdadeira razão de seu castigo. Nesse ponto, o roteiro de Chan-wook revela-se hábil ao lançar pistas falsas para o espectador, embora consiga, de maneira exemplar, amarrar as pontas soltas da trama, num crescendo arrebatador até o final surpresa que, vale dizer, nada fica a dever à mais desalentadora das tragédias gregas.

Qualquer semelhança com o teatro existencialista de Samuel Beckett ou a fábula pop dos filmes de Tarantino, não se trata apenas de uma coincidência. Pois tanto na obra destes quanto no próprio filme, pode-se dizer que a morte é a única forma de conhecimento possível.

Citações memoráveis: "Mesmo que eu não passe de um monstro, não tenho eu o direito à vida?" (Oh Dae-su) "A TV é tanto um relógio quanto um calendário. Ela é a sua escola, sua casa, sua igreja, seu amigo..." (a respeito de seu único meio de contato com a realidade durante o cárcere) "QUEM eu sou não importa. POR QUE eu sou é o que importa..." (Woo-jin Lee, inimigo de Oh Dae-su) e pra chutar o pau da barraca: "Lembre-se disso: seja um grão de pedra ou de areia, ambos afundam do mesmo jeito".

Bovary em Fortaleza

Como aquela esposa lângüida que alisa as próprias madeixas sentada de frente à penteadeira, queixosa e carente, olhar perdido em si mesma; saudosa do marido, que lhe despacha por email algumas frases de carinho (espécie de marchand ou caixeiro-viajante persistente), ela agora mal pode lembrar-se, sem sofrer, de um turista que conheceu no sagüão do aeroporto, perdida!, o qual ela pensou se tratar de um desses agentes enviados por alguma companhia de turismo... Mas as ranhuras do espelho ela conhece bem, além do nome do hotel bordado na roupa de cama que ultimamente a tem deixado entristecida... Ah, caro leitor, mas o que não é a lascívia! as noites mal dormidas, o céu sem estrelas e o rumor indistinto nos corredores (a decepção de atender à porta e só encontrar a camareira...)

Cada país tem os educadores que merece

Não, não se trata de um editorial do Gilberto Dimenstein, mas sim de algumas palavras sobre o recém lançado DVD do filme "The Edukators", uma produção germânica con-temporânea e, pelo fato mesmo de ser alemã, contundente e corrosiva. Atuações fortes, bom roteiro, luz natural, música pop e, o mais importante, uma abordagem sen-sível para um tema espinhoso: a vida daqueles que não se conformam com o sistema capitalista.

Seguindo uma premissa levemente parecida com a de "Os Idiotas", do Manifesto Dogma, "Edukators" mostra como os destinos de três jovens se entrelaçam em torno de uma causa, por que não dizer, subversiva (eles invadem sistematicamente mansões de pessoas abastadas para "subverter" coisas como a ordem da mobília, por exemplo) sempre tomando cuidado para não deixarem pistas nem levarem nada. A idéia é somente apavorar essa burguesia abastada, assombrá-la, deixando ainda, antes de saírem do local, uma carta na qual se lê o seguinte augúrio: "seus dias de fartura estão contados".

A parceria estabelecida entre dois amigos (ver foto) nessas intervenções é abalada quando a namorada de um deles se apaixona pelo amigo de seu namorado, o qual, sendo o mais idealista dos três, acaba contando a ela sobre suas ações secretas. Não demora muito para que ela queira se juntar à dupla para vingar-se de um rico empresário, o qual ainda move uma ação contra ela em decorrência de um acidente de automóvel, ocorrido tempos atrás, que praticamente a endividou para o resto da vida. A brincadeira, contudo, dá errado e eles são obrigados a seqüestrar o empresário quando este, inesperadamente, chega a sua casa no meio da ação e reconhece a garota. E é aí então que o filme começa a ficar bom.

Embora o roteiro do filme, a partir desse ponto, traga uma grande contribuição ao conflito de gerações, trazendo à nossa mente aquele dito segundo o qual o homem é um incendiário na juventude e um bombeiro depois de maduro, o desfecho não deixa de ser “centrista”.

Trocando em miúdos, o filme não desce do muro. A relação que se estabelece durante o cativeiro entre o yuppie e os jovens idealistas é sensacional do ponto-de-vista humano, ensejando momentos antológicos (chegamos a nos identificar com o opressor... mas quem oprime quem afinal?) enquanto se dá uma lenta e sutil identificação entre o conservador e os liberais que, afinal, nem eram tão liberais assim. E acontece que quando achamos que os papéis irão se inverter, isso não ocorre. E os dois lados, cada um à sua maneira, acabam se dando bem. A Síndrome de Estocolmo para a qual o filme até então vinha caminhando não persiste afinal. Uma pena, pois para uma abordagem surpreendente, um final demasiado prudente... Mas assim é a política, assim é a vida.

674C

Aqui nos despedimos. Não seria desta vez que dizer adeus deixaria de ser cafona, ainda que tudo dependa de como essa palavra pode ser dita ou se até mesmo, de improviso, ela for menos um sorriso do que uma cara de choro na porta do ônibus. O aumento no ronco do motor nos avisa que eu, dali em diante, seria só mais um figurante parado no ponto, abandonado aos solavancos, tragado pela perspectiva de quem fica enquanto o outro se afasta cada vez mais e mais (até que fique esquecido) e se possa, com relativo sucesso, virar as costas e partir (sem lembrar que alguém ficou pra trás). Como se fosse hora de ir pra casa.

"E nadi contra suberna"

O fato de se estar fazendo algo que no momento pessoa nenhuma no mundo deve estar fazendo (ou a maioria pelo menos não) nos dá a sensação de estar na contra-mão de algum processo natural, o que não deveria, pelo menos a princípio, servir de motivo de orgulho a ninguém. Deveria, antes, servir de aprendizado (nunca mais ser a ovelha desgarrada). Mas aparentemente essa postura de se afastar do establishment ou mainstream (seja lá qual for o nome) para se arriscar no desconhecido vem criando um efeito colateral: a ignorância pela ignorância. Vale dizer, a desobediência pela desobediência. Um palpite: não seria o caso de uma rebeldia sem causa?

Num salto homérico de Lógica, podendo eu com isso perder alguns amigos (o gênero post e os epigramas, neste aspecto, deveriam dialogar), saio do prato à boca deduzindo de tudo isso que a questão da Lei está longe de se esgotar. Intelectuais, desesperados após sessões de cinema (emoldurados pela fumaça do cigarro), balbuciam indiscriminadamente palavras como "angústia" e "influência", comprometendo-se exageradamente com essa discussão. São elliotianos no que têm de pessimistas sobre a eterna "inovidade" (bricollage é palavra proibida; o passadismo, uma válvula de escape).

E por essas e outras, os artistas e pensadores (a diferença é que os segundos só pensam) que outrora acreditaram nisso hoje possuem milhares de livros "explicando" suas obras (um fato alarmante). Façam um teste: juntem todos os livros que já foram escritos buscando elucidar as referências eruditas de James Joyce... (aí só um galpão mesmo para dar conta dessa bibliografia faraônica).

Tudo isso, eu dizia, para ilustrar que nadar contra a corrente pode ter compensações (repito: não há garantias). Afinal, o turista que abandona a excursão não deveria estar atrás da melhor foto? Do contrário, como atalhos seriam descobertos? Se o que vemos é a vanguarda estar associada, para alguns, aos que morrem primeiro na guerra (a linha de frente) não seria conveniente ressaltarmos que isso foi em benefício de quem ficou na retaguarda?

A metáfora futebolística, contudo, será excusada se considerarmos que alguns atacantes, vez por outra, não saem da "banheira". E aqui devemos ir com calma: a banheira, para os marxistas, estaria associada à parte mais especializada no processo de produção (a quem cabe, a contragosto do meio-campista que carrega o piano, os louros da fama). Por outro lado, a atitude daquele que não volta para ajudar os que ficaram para trás, de certa forma, não caracterizaria um abandono? Uma traição?

Mas toda traição necessariamente exclui a gratidão? Uma ordem não foi criada apenas para ser subvertida. Aliás, uma ordem deveria ser um divisor de águas: a partir do cumprimento ou não de seu desígnio, eu diria, a vida se criou. E partir da ordem é que temos o que é certo e errado (às vezes a ordem é errônea, mas apenas desse modo se soube como seria o acerto). Como todo conceito primitivo, "uma rosa é uma rosa" é tão verdadeiro quanto dizer que ordem é ordem (tal qual aquele subalterno que assim se desculpa por não questionar o que lhe disseram).

Tiradas do interior

A caminho de casa, de carro, desviando dos buracos e tomando o cuidado de não esbar-rar o pára-choque na perna de um incauto, medito sobre a reação agressiva do "homem do campo", do sujeito provinciano, a tudo o que ele desconheça (ao que às vezes dá-se o nome de preconceito). Eu não tinha em mente exatamente um Jeca Tatu, esse auto-retrato arrependido e atormentado de Lobato, mas do homem mesmo que, temendo a possibilidade de viver apenas relacionamentos tênues ou frívolos nas grandes cidades (onde ninguém conhece ninguém e onde seu nome não faz sombra na praça), acaba não abandonando seus parentes e compadres (espécie de quid pro quo familiar).

É a sensação de quem chega num ambiente e a conversa, até então fluente e animada, subitamente dá lugar a um silêncio ou pergunta solitária do tipo "tem horas?" Outra imagem que não sai da cabeça é a do monte de feno rolando (só a porta é que não era a de um saloon) embora sempre as mesmas pessoas ficassem olhando, sejam através das janelas ou agachadas atrás do balcão (clichê do faroeste que hoje encontra equivalente no insulfilm covarde dos carros e atrás da hipocrisia dos óculos escuros blindados).

Funciona assim: "amiga de quem mesmo? Onde ela mora? Do sobrenome você se recorda? (Da marca do carro bem que você lembra...) Já foi namorada de quem? Quarta série quando? Em que colégio? De que tamanho? Aquela que chorava no recreio? A que perdeu a virgindade pro beltrano?"

Um toque

A soma total de suas virtudes alcança um efeito final surpreendente se levarmos em conta que sua ambição também não é pouca (ela é, aliás, excessiva e contundente). Mas claro, digo isto tudo de coração (se é que se pode hoje em dia proferir a palavra humildade impunemente) sem nenhum arrependimento, lhe asseguro, da ordem de alguma vaidade equívoca ou orgulho.

Tiradas do interior

A caminho de casa, de carro, desviando dos buracos e tomando o cuidado de não esbarrar o pára-choque na perna de um incauto, medito sobre a reação agressiva do "homem do campo", do sujeito provinciano, a tudo o que ele desconheça (ao que às vezes dá-se o nome de preconceito). Eu não tinha em mente exatamente um Jeca Tatu, esse auto-retrato arrependido e atormentado de Lobato, mas do homem mesmo que, temendo a possibilidade de viver apenas relacionamentos tênues ou frívolos nas grandes cidades (onde ninguém conhece ninguém e onde seu nome não faz sombra na praça), acaba não abandonando seus parentes e compadres (espécie de quid pro quo familiar).

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É a sensação de quem chega num ambiente e a conversa, até então fluente e animada, subitamente dá lugar a um silêncio ou pergunta solitária do tipo "tem horas?" Outra imagem que não sai da cabeça é a do monte de feno rolando (só a porta é que não era a de um saloon) embora sempre as mesmas pessoas ficassem olhando, sejam através das janelas ou agachadas atrás do balcão (clichê do faroeste que hoje encontra equivalente no insulfilm covarde dos carros e atrás da hipocrisia dos óculos escuros blindados).

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Funciona assim: "amiga de quem mesmo? Onde ela mora? Do sobrenome você se recorda? (Da marca do carro bem que você lembra...) Já foi namorada de quem? Quarta série quando? Em que colégio? De que tamanho? Aquela que chorava no recreio? A que perdeu a virgindade pro beltrano?"

Como era gostoso meu "cearês"

Lá, além das fronteiras que os paulistas sôfregos julgam demarcar, norteado pela indolência e pelos subterfúgios da preguiça (se for mesmo verdade que o calor nos convida à sombra), onde o mar à terra engolfa e azul é o ar salpicado pela água (cuja luz, segundo Orson Welles, era comparável apenas à da costa da China), deixei para trás algumas expressões que, embora às vezes esdrúxulas e idiossioncráticas, eu jamais ouviria noutro lugar senão ali naquela terra de hábitos tão assimiláveis (e claro, sempre margeados pela mãe, o mar).

Descrições Geraes

De monogamia, embora inexista autoridade suficiente neste assunto, ela julga entender. A exemplo das amigas, a maioria mãe solteira, quer evitar a todo custo os comentários comezinhos, ou como já disseram os vizinhos, algo do tipo "mas que um pai fez falta, fez... " E segundo ela mesma, é mais amiga dos homens do que das mulheres, aos quais ela chama, delicadamente, de "meninos". E só pra constar, me disse outro dia que o ex-namorado dela é hoje o seu melhor amigo...

Contra a Parede

Longa turco-germânico é tudo aquilo que Hollywood gostaria de ser


Contra a Parede (2004), de Fatih Akin, é um daqueles filmes que os americanos adorariam aprender a fazer, faltando-lhes, no entanto, know-how para a tarefa. E cacife para fazer um filme desses, felizmente, nada tem que ver com produções milionárias e protagonistas conhecidos internacionalmente. Com um roteiro brilhante e atuações vigorosas, Contra a Parede é um soco no estômago daquelas pessoas acostumadas às histórias de amor sentimentalóides que Hollywood não se cansa de contar...

Sibel (Sibel Kekilli) é uma jovem de família muçulmana que procura desesperadamente escapar à rígida educação praticada por seus pais. Como se não bastasse, o irmão mais velho de Sibel é machista e superprotetor, com valores profundamente enraizados nas tradições de seu país. Diante de um histórico de tentativas de suicídio por parte da jovem, sua família resolve interná-la numa clínica, onde Sibel conhece Cahit (Birol Ünel), ao qual propõe, mesmo sem conhecê-lo direito, um casamento de fachada (com o intuito apenas de se livrar de sua família) uma vez que Sibel sabe sobre as raízes turcas de seu futuro pretendente.

Cahit, por sua vez, é um homem soturno e sem amor à própria vida, que vive de bar em bar bebendo e arranjando confusão desde que sua mulher morreu. Sua estadia na clínica onde mais tarde viria a conhecer Sibel aconteceu justamente por causa de um acidente (numa tentativa mais ou menos dissimulada de suicídio) envolvendo uma batida de carro a toda a velocidade contra um muro. A partir daí (e de onde parece advir o nome do filme) a vida do turco jamais seria a mesma. Uma vez casados, ambos levam suas vidas independentemente, cada qual com seus parceiros, e tudo parece ir bem até que Cahit, numa crise de ciúmes, mata um dos parceiros de Sibel, ao que termina cumprindo pena.

Contra a Parede é, no final das contas, uma história de amor tragicômica, já que não lhe faltam momentos risíveis como, por exemplo, quando Cahit, decidido a participar da farsa proposta por Sibel, vai até a casa da jovem formalizar um pedido de casamento aos pais dela. Porém, nem é preciso dizer que a ênfase do filme é na tragédia, de tal forma que o diretor Fatih Akin habilmente intercala momentos narrativos com números musicais típicos, o que acaba soando como um coro de tragédia grega ao cantar as desventuras de seus heróis.

(Sibel Kekilli, no papel da geniosa e desencontrada Sibel, é mais um exemplo de como uma direção "perfeita" resulta em atuações igualmente impecáveis. Apenas para constar, Sibel, na vida real, já foi estrela de filmes pornográficos, o que pode ou não explicar seu talento irreprimível para seduzir, seja Cahit ou o próprio espectador...)