Profissão: Contador de Histórias

A seção profissão contempla desta feita a cu-riosa profissão dos contadores de histórias. Embora não chegue a ser exatamente um ofício (naquilo que tem de pior remunerado) esses contadores especializados em entre-tenimento narrativo ainda hoje encontram aqui e acolá seu nicho no mercado (seja lá o que "mercado" signifique aí...) Afinal de contas, a chamada "grande arte" não está necessariamente ligada a histórias igual-mente grandes, tumultuadas e repletas de reviravoltas, bem como recheadas de personagens enigmáticos e interessantes...

Não há como negar que as grandes histórias cansam seu público justamente pela extensão e intensidade de sua suposta magnitude. No caso do Cinema, que se trata de um exemplo mais à mão, pouco a pouco as pessoas que acreditam nessa arte como algo além da diversão banal vão migrando para uma visão da sétima arte mais intelectiva e epistemológica (sim, aquilo que o senso comum, a má-vontade e o preconceito convencionaram chamar de "filmes-cabeça.") Em termos de Hollywood, quem nunca passou em frente a uma sala e, pelo volume do som e ruídos de tiros e espadas, ousou imaginar em que ponto o filme estava? ou ainda, na locadora, preterir alguns títulos por causa de uma capa? Eu diria a meu favor que se trata de um preconceito levemente diferente daquele que mencionei acima sobre os "filmes-cabeça"; trata-se na verdade de um pós-conceito, de um conhecimento de causa (estão completamente fora filmes com expressões do calibre de "pra lá de...", "muito louco", "do barulho" ou "da pesada").

Na literatura isso também persiste, não obstante se tenha originado na mesma antes de migrar para outras formas de arte: romances, novelas e contos, cada qual uma máquina de entretenimento à sua época, hoje gozam de descrédito junto às grandes massas diante do advento da informação imediata (embora a televisão não seja também nenhum diabo). Ler, hoje, talvez seja uma profissão de fé para muitos. No entanto, as campanhas de incentivo à leitura promovidas pelo Estado, no geral, estão mais preocupadas em fazer as pessoas lerem (seja lá o que for) do que ensinar o que se deve ler, tornando entretenimento e arte duas coisas indistintas (elas podem ou não andar juntas, mas não são a mesma coisa.) Infeliz raciocínio de país degradado: especializar-se em leituras ou ter um gosto literário é um luxo (como se decodificar o alfabeto fosse o bastante)

E nesse contexto se enquadram os contadores de histórias, esses seres curiosos e egocêntricos que gostam de silêncio enquanto falam. Diante disso, toda crítica que se julgue afiada e alerta deveria saber o que vai sob as grandes histórias, de modo que não saiam impunes quaisquer piruetas retóricas ou discursos pirotécnicos.

Talvez a única boa história viável seja, de certa forma, a grande história de uma história. Relativizar grandes acontecimentos talvez seja preciso (e se engana quem pensa que o refúgio da emoção esteja na grandiosidade dos temas.) Como abordar ou refrescar temas tão exauridos quanto a morte, o amor ou o sexo (ou ainda outros dilemas metafísicos)? E diante disso, como evitar ser leviano, no caso de uma recusa aos grandes temas, e como evitar ser demasiado profundo? É como estar entre a cruz e a espada: de um lado, a destreza proporcionada pela futilidade e pelo que há de mais mundano; de outro, a gravidade, o discurso embargado clássico, a envergadura pesada e nada prática do comprometimento com a essência, com o profundo e o relevante.

Legenda: na foto acima, os temas clássicos tão caros ao ofício do escritor (a máquina de escrever, o pincenês pousado sobre o alfarrábio aberto, o telefone preto...)

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