O humor extremo de Borat

Mistura de documentário e ficção, Borat leva o sarcasmo às últimas conseqüências

O filme Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América acaba de chegar em definitivo às telas de todo o Brasil. Dirigido por Larry Charles, que já atuou e escreveu episódios do Seinfeld, Borat é uma verdadeira antologia de gags que reúne e potencializa o melhor do humor gonzo já visto no cinema e na TV. A performance politicamente incorreta de Sacha Baron Cohen, que encarna o histriônico jornalista cazaque que dá nome ao filme, consegue tornar tênue (praticamente invisível) a cicatriz entre as instâncias do "combinado" (leia-se produzido) e do espontâneo, com um tal gosto pelo extremo e com tamanha subversão, que logra transcender o mero entretenimento para se tornar uma das críticas mais duras e consistentes ao Ocidente de que se tem notícia.

Ao se passar pelo jornalista cazaque pornomaníaco, misógino, anti-semita e racista (e o que mais?), Sacha constitui-se uma verdadeira isca para o discurso voraz e preconceituoso do homem médio americano que, ao comprar a idéia do homem tosco a ser civilizado, acaba expondo sua faceta mais mesquinha e nefasta. A seqüência em que canta o hino com a letra trocada durante um rodeio no Texas é prova disso. Reza a lenda que Sacha e sua equipe precisaram
sair às pressas do local para não serem linchados. Um exagero. No entanto é difícil de se dizer o que foi armado e o que não foi por seus realizadores. Neste aspecto, Borat tem momentos surreais, tais como aquele em que o homem por trás do bigode se atraca com seu produtor obeso no quarto do hotel, ambos nus e devidamente tarjados, na sublimação mais sublime da homossexualidade jamais levada a cabo por dois humoristas.

Seu anti-semitismo grotesco e escandaloso seria impensável se o próprio Sacha Baron Cohen não fosse judeu. Sob uma estampa histriônica e escatológica, Borat faz rir e pensar com seu sarcasmo profundo e sutil, se é que se pode encontrar sutileza nas maneiras abertas e francas do personagem. Borat é, afinal de contas, uma caricatura mordaz e cretina do mito que se criou em torno dos povos da Ásia Central, supostamente incivilizados e bárbaros. Através do exagero propositado das maneiras de seu personagem, o roteiro bem construído aliado à atuação genuína de Sacha constituem-se um pastiche dos road-movies americanos. De resto, pode-se dizer que Borat é puro semblante, impassível em sua "ingenuidade" diante de qualquer grau de civilidade (seja numa conversa com um cowboy fascista ou rodeado por feministas sisudas), e sua presença em cena é praticamente uma intervenção, termo aí despido de qualquer pretensão contestadora ou vanguardista. Híbrido de pegadinhas à la João Kléber, jornalismo gonzo à la Ernesto Varella e subversão à moda Lars Von Triers (vide Os Idiotas), Borat é cretino e sublime ao mesmo tempo.

Sabedoria boratiana (tiradas do site www.borat-quotes.com):

"Jagshemash! My name a Borat. I like you. I like sex. It's nice. These are my country of a Kazakhstan."

"My mother, she never love me. (Stifled chuckle) She say she wish she was raped by someone else."

"Now her vajine is loose like a wizard's sleeve."

"I hope President Bush drinks the blood of every man, woman, and child in Iraq!"

"My sister...she´s a...prostitute. (Answer: That´s sad, why?). She like to make money, high five!"

"May I ask you are a man who does with another man?"

Virtuosismo fin-de-siècle

Cheguei à conclusão de que vivemos numa época de abundância. Do quê? Não me perguntem. Mas sei que me cheira a tendência, o que não é de hoje. Não sei onde começou, mas a reconheço na prosa prolixa do último James Joyce; nos solos intermináveis e exaustivos do sax de John Coltrane; na pós-modernice histérica e errática dos que se pretendem vanguarda (ao mesmo tempo românticos e iconoclastas.)

Podemos perceber quando o mal é o virtuosismo à medida que a performance passa a ter mais importância que o propósito de sua existência. Na música, solos de guitarra que contemplem inúmeras escalas num tempo muito curto. Cantores que abusam do vibrato. Tudo muito pirotécnico, mas nenhuma propriedade.

No cinema, que tal os efeitos-especiais? Ou as tramas de Hollywood que se fecham, confudem, mas no final se resolvem com um deus ex-machina? (leia-se abdução ou o famoso "não passou de um sonho")

Diagnóstico

Fico pensando que para tudo há um grau de entropia, uma crônica do caos anunciada. A maioria dos grandes mestres chegaram a esse ponto, mas qual não foi sua maestria ao sublimá-lo? Não podemos eliminar o ruído de nossas vidas, pois sem ele nossos ouvidos jamais se acostumariam. O que seria do puro sem o impuro, do cult sem a corruptela? Sem os metais não saberíamos como é o timbre piano. De um lado Chet Baker, de outro James Brown. Ambos são necessários.

"Goodness is timeless" (W. H. Auden)

Arte é contenção, virtude. Há muito de moral em tudo isto. Não pode se tornar histérica, mecânica, evasiva. Quando deixa de ser virtude, de ter vontade sobre o caos, transforma-se em mania e obsessão, e perde sua beleza. A Musa é uma mulher faceira, não se deve melindrá-la com o excesso gratuito. É o que acontece quando perdemos a dimensão do que é ser diligente, algo próximo de Bach e sua vivacidade presumida no andamento de suas fugas e cantatas; nas aliterações persistentes da poesia homérica; no estalo de chicote das imagens de Shakespeare. Já não se pensa mais no produto acabado, final, que chegue a um ponto em que não são admitidos mais retoques. Digamos que o mal de nosso tempo é o que chamam de obra-aberta, essa tal "arte experimental."

Viva o prefeito! - parte II

Daqui a pouco teremos uma sitcom. Já ouço aquela voz manjada anunciando: "no episódio de hoje, nosso prefeito da pesada resolveu botar pra correr um manifestante muito louco que armou um plano sujo para sabotar sua visita a um posto de saúde, onde tuuuudo pode acontecer..." E pra disfarçar que ficou mesmo bolado com o caso, teve a pachorra de afirmar aos jornalistas: "Em nenhum momento eu o agredi; só pedi que se retirasse". Mas é um gentleman esse homem! (Clique aqui para assistir ao vídeo.)