Megera endossada

Ela era doce e linda, pura e ingênua, bela e frágil, além de todos aqueles binômios que não saem da cabeça dos marmanjos que punham à frente de seus julgamentos o encanto que nutriam pela moça. De tão embasbacados, digamos, as paixões que dali comumente advinham não chegavam a causar espanto.

Mas sabemos que o tempo resume as coisas ao osso, enxuga os excessos e delineia o contorno dos afetos. E no caso dela, a juventude lhe servia ao caráter, por assim dizer, como um biombo a proteger-lhe dos olhares curiosos. Ser bela e virtuosa era o bastante para os julgamentos apressados sobre ela. Pouco se indagava, durante as conversas, sobre o que ia além de sua inocência sobre quaisquer assuntos (tais como viagens, pessoas, amores, tudo...) E bastava um sorriso, a visão de seus dentes brancos, para que a percepção de seu caráter se tornasse um tanto turva, tal qual a superfície de um lago crispado subitamente sob um céu escuro...

E só daí então se pode falar sobre a afetação de sua candura, sobre a leviandade de seus receios mais tolos (no que a palavra "tolo" tem de menos gracioso) bem como de sua aversão a tomar partido pelas pessoas. Tão nova e "sacada," já sabia se investir de bocas e caras, querendo agradar a todos, meu deus, pobres moços... Com a voz embargada, dando conselhos, franzindo o cenho e emulando apenas aquele restinho de brilho que sua beleza transpirava, semi consciente da própria percepção embotada, dizia de si que, embora jovem, sabia muito bem do que se tratava. E sempre – sempre! – atropelando sua audiência com afirmações de soberba do tipo "eu sei, eu sei, eu sei", proferindo em seguida, em tom de advertência, um "olha..."