Natal decantado

Quando é que o Natal vai deixar de ser brega?

Só sei que os anos passam e ainda considero inapreensível o espírito de Natal, soterrado sob um imaginário absurdo, espalhafatoso e exagerado; espírito que continua a ostentar emblemas insípidos como barbas brancas, pináceas enfeitadas, clima nórdico, crianças rosadas de frente à lareira ou, o que é mais curioso, renas puxando trenó (cenas da vida à la Norman Rockwell.) E há, é claro, os presentes que não podemos deixar de dar a quem amamos. Digo que discutir a essa altura seu significado é uma tarefa inglória, sobretudo no que há de religioso, pois há quem possa se ofender... Mas se os rituais de hoje parecem nonsense, devo observar que suas causas ancestrais talvez já não valham mais nada. Quem é afinal o inimigo do Natal? O Capital? Certamente não sou o primeiro a dizer que tudo isso é meio vago. Já parou pra pensar que disparate esse negócio de nego vir lá da Lapônia nesta época do ano? E quem é que disse que as crianças amam tanto esse engodo? Alguém já experimentou contar-lhes outra história?

A Pastorinha

Está circulando na Internet um vídeo com a performance sobrenatural de uma garotinha apelidada, carinhosamente, de a pastorinha. No alto de seus seis ou sete anos (no máximo), o domínio da oratória que essa pequena notável apresenta durante o sermão é assombroso. Há quem diga tratar-se de um anão disfarçado. E houve quem dissesse também estar possuída, algo de que não duvido na medida em que um sujeito falante pode muito bem estar possuído pelo discurso que o fala, e não o contrário. A impressão que se tem é que várias figuras de linguagem, assim como técnicas sofisticadas de falar em público, vão ao longo do sermão exaurindo aquele corpo pequeno e inerte à veemência absurda da palavra de Deus. O timbre de sua voz também é assustador, conforme suas epifanias se acentuam, fato que aproxima a prodigiosa pastorinha de grandes mulheres como Linda Blair e Heloisa Helena. E assim, diante desse pequeno prodígio, me resta dizer que o filme do exorcista é chato.