Jesus Franco (1930)

Ao fundo cortinas vermelho-escuras; em primeiro plano um candelabro aceso sobre o piano de cauda preto; a luz do dia invade a sala através de uma vidraça ampla e translúcida, com uma piscina de vista, de cuja superfície vítrea se vê escorrer um filete de sangue (ênfase no vermelho-escuro contra o azul saturado do mar nalgum lugar da costa espanhola) Também chamam a atenção seus cabelos negros, assimetricamente partidos ao meio, a toldarem o rosto pálido e vamp de Soledad Miranda (musa portuguesa do diretor, morta aos 27 anos num trágico acidente de automóvel.)

Sob diferentes codinomes, Jesus Franco é responsável por uma das filmografias mais inconstantes e nem por isso menos descoladas e estilosas de toda a história do Cinema. Dada a época em que a parcela mais interessante de sua obra se concentra, nos anos 60 e 70, o diretor espanhol permanece uma referência quando se fala de "arte vintagista". Inventivo, foi um gênio do baixo-orçamento; um contador de histórias cheias de sangue, groove e softcore, sob o pano-de-fundo de uma Europa decadente e claustrofóbica.

Ouça The Message, do filme Vampyros Lesbos (1971), que embala o célebre strip-tease da hipnótica Miranda e que logo arrebata toda a atenção de Eva Stromberg, loirona do tipo polaca-safada, quando em close seus olhos azuis enormes.

Nas páginas dos jornais daquele dia...

Nada. Nas páginas dos jornais daquele dia nada apontava para um desfecho incomum como aquele seria. Fosse como fosse o andamento das coisas, era algo a se dar conta apenas no momento em que aconteceria, algo que nunca teve por costume anunciar-se. Um instante condensado, já que a palavra de ordem é síntese; ou clímax, se o assunto for dramático (ou até mesmo ponte ou bridge se estivermos falando das síncopes) ou mesmo de quando o coração está apenas palpitando. A João Cabral de Melo Neto me reporto:

Uma onda que parava
naquela hora precisa
em que a pálpebra da onda
cai sobre a própria pupila.

"Aos olhos dos outros, um homem é poeta se escreveu um bom poema. A seus próprios, só é poeta no momento em que faz a última revisão de um novo poema. Um momento antes, era apenas um poeta em potecial; um momento depois, um homem que parou de escrever poesia, e talvez para sempre." (W. H. Auden)

"A mente é uma coisa encantadora,

conhece a memória de ouvido
e sabe ouvir sem
dar ouvidos.

Feito o declínio do Giroscópio,
verdadeiro e inequívoco
fruto da certeza ali reinante,

aquele mesmo poder
de encantar das cartomantes. Igual
ao pescoço da pomba

realçado pelo sol;
é a própria memória do olhar,
consciente e instável."

Trecho do poema "The Mind is An Enchanting Thing" [A Mente é Algo Encantador] da poetisa norte-americana Marianne Moore.