Brown à la Corleone

(publicado em 11/12/2004)

Falando sério. O rosto e o gesto do rapper lembram mesmo os do jovem Vitto Corleone (encarnado no cinema por De Niro). Não que eu esteja insinuando que o rapper seja um contraventor, longe disso, pois sua subversão reside somente no ritmo (e no ritmo da letra), por mais que todo gangsta rappa queira parecer o pior possível ("pior" não só no sentido de "mais mau"). Assistindo ao épico Godfather 2, não pude deixar de buscar semelhanças entre os dois. Há, por trás da ética de ambos, algo de muito fundamental, religioso ou qualquer palavra terminada em "crático." Haverá no Olimpo algum deus ou semi-deus para essa persona mítica que subjaz a ambos? A fala macia, a honra da família, a contenção da raiva, a sabedoria, serão estas as características inerentes ao malandro empreendedor que ajudou a construir a América?
Talvez na tragédia grega "Hipólito", de Eurípedes, essa distinção apresente-se bem marcada na oposição hybris/sophrosyne, algo que em termos BEM gerais corresponde à oposição excesso/moderação, imprudência/prudência, fúria/brandura, soberba/humildade etc. Se no primogênito da família Corleone temos a hybris, em Michael, sucessor eleito dos negócios da famiglia, temos a sophrosyne que, levada às últimas conseqüências, converte-se em hybris pura (lembrem-se de que Michael, numa fantasia de perseguição que o leva a uma loucura parecida à de Ricardo III (Shkspr), manda matar o próprio irmão, Fredo, o mais fraco e covarde deles).
Voltando ao universo do rap, do gueto, da marginália, da periferia, há algo nisso tudo de talento e seleção natural como querem atestar alguns deles. E Mano Brown, guerreiro incansável, do fundo de sua trincheira, do seu "ser ou não-ser", é uma espécie de sobrevivente, o contador de estórias de sua própria tribo à qual ele quer salvar, messiânico, do fantasma da corrupção do mito. Isso tudo sou eu quem intui, por favor, Mano Brown não fala de política, ele simplesmente é político. E sua política é a das ruas, da conversa de botequim, do ancião observando as crianças da tribo que brincam, sempre distante e arredio...

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