"O Mal da Partida"

Eu serei sempre o amante hipotético e afoito
dos mares azulados e das longas travessias,
e morrerei numa noite igual a todas as noites,
sem ter rompido a vaga linha do horizonte um dia.

(...)

Dentro em pouco deixarei de falar nas longas viagens;
os amigos irão pensar que eu as tirei da mente,
e aliviada minha mãe dirá a quem lhe perguntar:
"Era um capricho de rapaz, que passou felizmente."

Mas certa noite diante de mim vai-se erguer o meu eu
para pedir-me contas, como um juiz tenebroso,
e esta minha mão inábil apontará tremendo
o revólver para abater sem medo o criminoso.

E eu que tanto desejei ser um dia sepultado
em algum mar das Índias, de profundezas enormes,
terei essa morte comum, deveras lamentável,
e um enterro igual ao de todos os outros homens.

(Poesia Moderna da Grécia > Kavvadías > José Paulo Paes)

0 comentários: