No osso

A expressão "chegar ao osso" não é banal nem gratuita: nos conduz à revelação última, íntima (caídos todos os véus); manifesta o desejo de atingir o núcleo duro, o tutano das coisas. Segundo a metáfora anatômica, "linguagem de medulas e espinhas". É a desconstrução do objeto até chegar à estrutura seca, ou o que o açougueiro faz quando livra a carne da gordura e atira o osso aos cães.

Abaixo, minha tradução (incompleta) para o poema Bone dreams (Sonhos ósseos), do poeta irlandês Seamus Heaney:


*

SONHOS ÓSSEOS

I

Osso branco encontrado
no pasto:
a áspera, porosa
língua do toque

e sua impressão amarela
grelhada na grama—
pequeno resíduo de um naufrágio.
Frio como pedra,

duro de encontrar, pepita
de giz
que toco outra vez
e a refresco

na atiradeira das idéias
para cravá-la na Inglaterra
e seguir seus saltos
em campos estrangeiros.

II

Casa óssea:
um esqueleto
nas velhas masmorras
da língua.

Refuto
com as dicções
os dosséis elisabetanos.
Os artifícios dos normandos,

as primaveras eróticas
da Provença
e o latim de hera
dos homens da igreja

ao som metálico
da pá, clarão
do aço consonantal
crivando a linha.

(...)

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