Virtuosismo fin-de-siècle

Cheguei à conclusão de que vivemos numa época de abundância. Do quê? Não me perguntem. Mas sei que me cheira a tendência, o que não é de hoje. Não sei onde começou, mas a reconheço na prosa prolixa do último James Joyce; nos solos intermináveis e exaustivos do sax de John Coltrane; na pós-modernice histérica e errática dos que se pretendem vanguarda (ao mesmo tempo românticos e iconoclastas.)

Podemos perceber quando o mal é o virtuosismo à medida que a performance passa a ter mais importância que o propósito de sua existência. Na música, solos de guitarra que contemplem inúmeras escalas num tempo muito curto. Cantores que abusam do vibrato. Tudo muito pirotécnico, mas nenhuma propriedade.

No cinema, que tal os efeitos-especiais? Ou as tramas de Hollywood que se fecham, confudem, mas no final se resolvem com um deus ex-machina? (leia-se abdução ou o famoso "não passou de um sonho")

Diagnóstico

Fico pensando que para tudo há um grau de entropia, uma crônica do caos anunciada. A maioria dos grandes mestres chegaram a esse ponto, mas qual não foi sua maestria ao sublimá-lo? Não podemos eliminar o ruído de nossas vidas, pois sem ele nossos ouvidos jamais se acostumariam. O que seria do puro sem o impuro, do cult sem a corruptela? Sem os metais não saberíamos como é o timbre piano. De um lado Chet Baker, de outro James Brown. Ambos são necessários.

"Goodness is timeless" (W. H. Auden)

Arte é contenção, virtude. Há muito de moral em tudo isto. Não pode se tornar histérica, mecânica, evasiva. Quando deixa de ser virtude, de ter vontade sobre o caos, transforma-se em mania e obsessão, e perde sua beleza. A Musa é uma mulher faceira, não se deve melindrá-la com o excesso gratuito. É o que acontece quando perdemos a dimensão do que é ser diligente, algo próximo de Bach e sua vivacidade presumida no andamento de suas fugas e cantatas; nas aliterações persistentes da poesia homérica; no estalo de chicote das imagens de Shakespeare. Já não se pensa mais no produto acabado, final, que chegue a um ponto em que não são admitidos mais retoques. Digamos que o mal de nosso tempo é o que chamam de obra-aberta, essa tal "arte experimental."

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