A origem da inspiração

Algumas pessoas acreditam tanto na inspiração a ponto de, na iminência do ato criativo, até fazerem um alongamento como se diante de um esforço descomunal (respirando entre uma contração e outra.) Mas não nego se disserem que é verdade: é; é o semblante também daquele cantor que escuta a própria voz e se emociona; é o reconhecimento pelo criador da criatura. Não obstante, alguns acreditam que inspiração é apenas puxar o ar para os pulmões (o que não é mentira, devo argumentar...)

Isso não é verso, claro...

mas é quase prosa. Verso afasta os leitores, estão mais acostumados com o fluxo ideal do pensamento, não estão atentos à música das palavras nem à textura dos vocábulos -- estão mais preocupados em dizer alguma coisa, em verdade vos digo, messias da mensagem. O inferno está cheio de intenções.

O hieratismo indecifrável de Charles Mingus

Na corda bamba do blues Charles Mingus foi para o jazz o maior exemplo de modernidade compromissada com a causa dos antigos (a.k.a. roots ou raízes). Acima de tudo ele foi um mestre contrapontista, romântico e expressionista de uma maneira absolutamente diferente de seus contemporâneos do free-jazz. Aliás, Mingus ainda não está totalmente "free" pois sua dignidade e sensação de gratidão para com o passado impedem sua música de soar como outra coisa que não seja o blues.

Alguns adjetivos para a obra desse homem, sob o risco de obscurecê-la, poderiam bem indicar o atalho de sua poética profunda, extravagante, opulenta porém glamourosa, epifânica, solene, dramática... Dizem os jazzófilos que, ao morrer no México em 1979, centenas de baleias morreram encalhadas nas praias daquele país. E o fato de ter sido arranjador, compositor, intérprete e band-leader só me fazem pensar no quão hierático foi o recorte dessa figura (de boina e suspensórios), um homem de temperamento tão corpulento como seu próprio contra-baixo atrás do qual ele exortava os companheiros segundo seu humor (mood) não raro aguerrido, durante a batalha, como se tangesse as cordas de uma lira mais robusta e mais pesada.

A arte do desencontro

Este assunto, este assunto eu conheço bem... É uma arte (que uns almejam e outros julgam entender); é a sensação derrisória de quando pensamos que não há nada além de amor no mundo, mas que estou só; ou quando vislumbramos um destino cujo caminho não sabemos, pelo qual nunca passamos, até porque ele nos leva até nós mesmos.

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Entre os amantes é necessário que os movimentos sejam contínuos e simultâneos. Como é impossível, bem sabido pela Física, dois corpos ocuparem o mesmo lugar ao mesmo tempo, coincidências deveriam ser malvistas.

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Tomemos um exemplo mais concreto: quando ele fez que ia, ela não quis. Fácil demais ser feliz, disse a si mesma, convém resistir (ela não via que o orgulho estava bem debaixo do nariz.) Mas tudo tem limite, e quantos sábios não se criam de improviso, ao passo que um dia ele cessou suas súplicas: dela não tardaram as réplicas (tudo muito súbito...) e daí para o mal que é relativizar a própria relação foi um passo (tudo muito súbito...) do concreto ao abstrato.